55 anos do golpe militar de 1964
Ato que depôs Jango ocorreu em 31 de março daquele ano;
ditadura durou até 1985. G1 detalha situação do Brasil pré-1964, os 33 dias que
marcaram o golpe e o 'quem é quem' do período.
O golpe de estado que instaurou a ditadura militar no Brasil
em 1964 completa 55 anos neste domingo (31). Após o ato, iniciou-se um regime
de exceção que durou até 1985. Nesse período, não houve eleição direta para
presidente. O Congresso Nacional chegou a ser fechado, mandatos foram cassados
e houve censura à imprensa.
De acordo com a Comissão da Verdade, 434 pessoas foram
mortas pelo regime ou desapareceram – somente 33 corpos foram localizados. Em
2014, a comissão entregou a então presidente Dilma Rousseff um documento no
qual responsabilizou 377 pessoas pelas mortes e pelos desaparecimentos durante
a ditadura.
Nos 55 anos do golpe, o G1 recupera o conteúdo de uma
reportagem originalmente publicada em 2014, meio século após aquele 31 de
março.
Veja, abaixo, os principais momentos envolvidos no golpe de
1964:
O Brasil pré-1964
O golpe em 33 dias
Quem é quem: os personagens do golpe
O BRASIL ANTES DO GOLPE
19 de agosto de 1961
O presidente Jânio Quadros condecora Che Guevara com a Ordem
Nacional do Cruzeiro do Sul, para indignaç O
então presidente Jânio Quadros condecora Che Guevara com a Ordem Nacional do
Cruzeiro do Sul, em 19 de agosto de 1961; gesto provocou indignação em setores
civis e militares conservadores — Foto: Divulgação.
25 de agosto de 1961
Ão de setores civis e militares conversadores. Eleito 20º
presidente do Brasil, Jânio renuncia após sete meses de governo. A renúncia era
uma estratégia: Jânio pretendia retornar fortalecido pela aclamação popular.
Deu errado. O vice-presidente, João Goulart, estava em viagem oficial à China e
à União Soviética, o que foi usado pelos militares como argumento para tentar
impedir sua posse. Inicialmente, quem assumiu a Presidência foi o deputado
Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara. A
sucessão de Jânio provocou um racha entre a Campanha da Legalidade –
movimento pró-Jango – e a convocação de novas eleições defendida por militares.
Nesse momento, o general Golbery do Couto
e Silva começou a organizar o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
(Ipês), que se tornaria o principal difusor de propaganda contra Jango. A
"solução" encontrada foi instalar o parlamentarismo, diminuindo os
poderes de Jango, mas permitindo sua posse.
7 de setembro de 1961 Como condição para a posse
de Jango, os militares implantam o parlamentarismo, diminuindo os poderes do
presidente, que assume apoiado por forças de esquerda, mas acenando com medidas
aos conservadores.
Jango nomeia Tancredo Neves primeiro-ministro. No acordo
que instalou o parlamentarismo, ficou acertado que ocorreria um referendo em
1963 para que os eleitores decidissem qual regime queriam. A presença de Tancredo garantia um controle da oposição até o
plebiscito previsto para o ano seguinte, que restabeleceria os plenos poderes
de Jango com o presidencialismo. É nesse período que o Brasil se abstém de
votar com os Estados Unidos pela expulsão de Cuba da OEA (Organização dos
Estados Americanos).
Novembro de 1961
Jango defende a reforma agrária sem indenização aos
proprietários, provocando as elites, e restabelece laços do Brasil com a
União Soviética, em meio à Guerra Fria.
Maio a julho de 1962 O governador da Guanabara,
Carlos Lacerda, acusa Jango de planejar um golpe. O vice-presidente, Tancredo Neves,
renuncia. Jango cria o 13º salário, mas uma greve geral deixa centenas de
feridos e 42 mortos.
30 de dezembro de 1962
A menos de uma semana do plebiscito que decidiria sobre a
volta do presidencialismo, é anunciado o Plano Trienal, proposto pelo ministro
do Planejamento, Celso Furtado, para combater a disparada da inflação e
administrado por San Tiago Dantas, na pasta da Fazenda.
6 de janeiro de 1963 Plebiscito aprova o retorno
do presidencialismo. As divisões entre direita e esquerda se acirraram, e parte
dos militares defendeu a tomada do poder pela força. Goulart tentava aprovar as
reformas de base, como a reforma agrária, mas a alta da inflação fez com que o governo
perdesse apoio popular.
O objetivo das reformas de base era implantar mudanças
nas áreas bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária e universitária,
além de propostas para estender o direito de voto aos analfabetos e às patentes
subalternas das Forças Armadas, como marinheiros e sargentos. Parte das
propostas, como a reforma agrária, sofria resistência de setores conservadores.
A medida de Jango, como a mobilização sindical,
redistribuição da renda, reforma agrária, a Lei de Remessa de Lucros e o
congelamento de aluguéis, geraram uma forte oposição, deixando o governo
frágil.
12 de setembro de 1963
Eclode a Revolta dos Sargentos, rebelião que apoiava as
reformas de base e reivindicava que sargentos, suboficiais e cabos pudessem
disputar eleições e exercer mandato parlamentar. No dia seguinte, Jango
nomearia Castelo Branco para chefia do Estado Maior das Forças Armadas.
4 de outubro de 1963
Jango tenta decretar estado de sítio. Após uma entrevista
concedida pelo governador da Guanabara, Carlos Lacerda, criticando Jango, o
presidente é impelido por ministros militares a decretar estado de sítio no
país e envia o pedido ao Congresso. O projeto é repudiado por líderes
sindicais, que fazem pressão para que não seja aprovado. Diante da reprovação
da maioria parlamentar, Jango retira a proposta, que também é vista como
tentativa de "golpe", aumentando ainda mais as conspirações contra o
presidente.
Janeiro a março de 1964
Jango regulamenta a Lei de Remessa de Lucros, limitando
transferência de divisas ao exterior. Depois, assina a nacionalização de
refinarias particulares de petróleo e desapropria terras.
Com o cenário político cada vez mais polarizado entre os
que eram contra e a favor das reformas, especialmente a agrária, Jango dá
início a uma campanha por mudanças, com o primeiro comício, na Central do
Brasil. Era o estopim para a movimentação que, 33 dias depois, resultaria no
Golpe Militar de 1964.
O GOLPE EM 33 DIAS Ao lado da mulher, Maria
Thereza, e de Darcy Ribeiro (chefe da Casa Civil), Jango subiu ao palanque da
Central do Brasil, no Rio, para o Comício das Reformas. Ele discursou após
falas do então presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), José Serra,
do governador de Pernambuco, Miguel Arraes, e do deputado Leonel Brizola.
No evento organizado por entidades sindicais, o
presidente, que era fazendeiro, defendeu a necessidade das chamadas reformas de
base (agrária, bancária, administrativa, universitária e eleitoral), paradas no
Congresso. O evento, transmitido ao vivo por rádio e TV para todo o país,
reuniu cerca de 200 mil pessoas.
"Reforma agrária com pagamento prévio do latifúndio
improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária. É negócio agrário,
que interessa apenas ao latifundiário, radicalmente oposto aos interesses do
povo brasileiro", disse Jango.
A Constituição previa desapropriações mediante
indenização prévia de dinheiro. Mas, alegando falta de caixa, o governo propôs
pagar com títulos da dívida pública.
Figuras-chave do Comício das Reformas:
João Goulart: Jango foi o 24º presidente brasileiro.
Entrou no PTB a convite de Getúlio Vargas, do qual foi ministro do Trabalho.
Foi vice-presidente nos governos de Juscelino Kubitscheck e Jânio Quadros,
sucedendo a este último após sua renúncia. Foi deposto pelo regime militar em
1964.
Miguel Arraes: governador de Pernambuco, politicamente de
esquerda, deu apoio às Ligas Camponesas e à criação de sindicatos. Para
"não trair a vontade dos que o elegeram", se recusou a renunciar,
como propuseram os militares, e foi preso em 1º de abril. Libertado em 1965,
exilou-se na Argélia.
Leonel Brizola: governador do Rio Grande do Sul entre
1959 e 1963, lutou com Jango pelas reformas de base. Tornou-se um dos líderes
da Frente de Mobilização Popular, formada por CGT (Comando Geral dos
Trabalhadores), União Nacional dos Estudantes (UNE), Frente Parlamentar
Nacionalista, oficiais militares, intelectuais e Miguel Arraes.
Darcy Ribeiro: ministro da Educação do governo do
presidente Jânio Quadros e chefe da Casa Civil de João Goulart foram um dos
membros do governo a tentar organizar a resistência ao golpe. Na ditadura, teve
os direitos políticos cassados e foi obrigado a se exilar no Uruguai.
José Serra: presidente da UNE na época, foi orador no
Comício das Reformas. Às vésperas do movimento militar, a entidade emitiu um
manifesto, denunciando o "golpe reacionário". Após a tomada do poder
pelos militares, Serra deixou o País, em julho de 1964, exilando-se na França.
Dante Pellacani: iniciou sua militância sindical em 1948
e foi um dos principais articuladores do movimento Jan-Jan (Jânio e Jango para
a Presidência). Tornou-se presidente do CGT, participando ativamente do Comício
das Reformas. Foi exilado no Uruguai.
Veja como o Comício das Reformas foi retratado em
propaganda feita pelos militares:
13 de março de 1964: Comício da Como resposta ao comício
da Central do Brasil e à "ameaça comunista" atribuída à aproximação
de Jango com a esquerda, cerca de 300 mil pessoas fizeram uma passeata no
centro de São Paulo, no dia de São José. O objetivo era mostrar o
descontentamento da sociedade conservadora e de setores ligados aos grandes
empresários e latifundiários. A marcha teve apoio do
governador de São Paulo, Adhemar de Barros (representado pela esposa, Leonor),
do governador do estado de Guanabara (Carlos Lacerda) e de Auro de Moura
Andrade, presidente do Senado e do Congresso.
Figuras-chave da Marcha da Família com Deus pela
Liberdade:
- Adhemar
de Barros: o governador de São Paulo, que derrotou Jânio nas eleições
de 1962, participou ativamente das conspirações do golpe conta a
"comunização do País", liderando ainda a Marcha da Família com
Deus pela Liberdade contra Jango. Adhemar seria cassado em 1966, após se
voltar contra o regime militar.
- Carlos
Lacerda: o governador da Guanabara, que liderava a ala radical da
União Democrática Nacional (UDN) carioca, foi por anos defensores da
intervenção militar no estado, opinião que publicava em seu jornal,
"Tribuna da Imprensa". Foi um dos líderes civis do golpe, mas
depois se voltou contra a extensão do mandato de Castelo Branco.
- Auro
de Moura Andrade: na presidência do Senado, fez oposição a Goulart e
discursou na Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em São Paulo,
organizada por entidades contrárias ao governo. Em sessão do Congresso na
madrugada de 2 de abril, declarou vaga a Presidência da República, embora
Jango estivesse no país.
- Dom
Jaime de Barros Câmara: o cardeal da Arquidiocese do Rio de Janeiro
foi um dos organizadores da Marcha da Família com Deus pela Liberdade e
pertencia ao grupo de bispos e arcebispos que se opunha ao “comunismo” e a
Goulart, promovendo a “marcha da vitória” após o golpe.
"O povo veio à praça pública para demonstrar sua
confiança na democracia. Veio para afirmar perante a nação que os democratas
não permitirão que os comunistas sejam os donos da pátria. Democratas do Brasil
confiem, não desconfiem das gloriosas Forças Armadas de nossa pátria",
afirmou Auro de Moura Andrade durante a marcha, segundo relato do jornal
"Folha de S.Paulo" na edição de 20 de março de 1964.
Imagem da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que
ocorreu em São Paulo em 19 de março de 1964 — Foto: Folhapress.
Quem apoiou a Marcha da Família com Deus pela Liberdade:
- Campanha
da Mulher pela Democracia (Camde)
- União
Cívica Feminina
- Fraterna
Amizade Urbana e Rural
- Federação
das Indústrias de São Paulo (FIESP)
- Parte
da Igreja
24 de março de 1964: Revolta dos Marinheiros
Imagem da Revolta dos Marinheiros, que aconteceu em 24 de
março de 1964 no Rio — Foto: Folhapress.
Durante festa no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio para
comemorar os dois anos da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais
(considerada ilegal), 2 mil marinheiros e fuzileiros navais compareceram ao local
liderado pelo cabo Anselmo, que fez um discurso inflamado a favor das reformas
de base e da entidade, que tivera dirigentes punidos. O ministro da Marinha,
Silvio Mota, mandou prender os organizadores, mas os fuzileiros enviados
aderiram aos insubordinados. O episódio indicou que uma parte dos chefes
militares estava descontente com Jango, que demitiu Silvio Mota logo depois.
"Será subversivo manter cursos para marinheiros e
fuzileiros? Será subversivo dar assistência médica e jurídica? Será subversivo
visitar a Petrobras? Será subversivo convidar o Presidente da República para
dialogar com o povo fardado?", disse Cabo Anselmo durante discurso na
AMFNB.
Figuras-chave da Revolta dos Marinheiros:
- Cabo
Anselmo: liderou a Revolta dos Marinheiros, que desencadeou o
movimento contra o governo João Goulart. Depois do golpe, teria virado
agente duplo, entregando parte dos companheiros de esquerda ao regime
militar.
- Almirante
Cândido Aragão: Apoiou a Revolta dos Marinheiros, a favor das
reformas de base do governo Goulart, com a adesão dos fuzileiros. Após o
golpe, asilou-se no Uruguai.
Imagem da Revolta dos Marinheiros, que aconteceu em 24 de
março de 1964 no Rio — Foto: Arquivo/O Globo.
Quem apoiou a Revolta dos Marinheiros: