Mortes, garimpo e grilagem assolam assentamento mais incendiado do Pará
Além do fogo, assentamento está tomado por fazendas em terras griladas e uma mineradora de ouro; e já registrou nos últimos anos cinco assassinatos e um desaparecimento
ESPECIAL: AMAZÔNIA SEM LEI
Canetada deu ilegalmente a grileiros área maior que a cidade do Rio de Janeiro
Ouro em terra pública é explorado ilegalmente, diz Incra
Além da mineração, existem dois garimpos explorando 13 mil hectares
O assentamento mais incendiado do Pará na onda de queimadas que varreu a Amazônia brasileira no último mês de agosto, conforme revelou a Agência Pública, é uma área que registra os conflitos socioambientais mais comuns que assolam o maior bioma do país.
Os problemas nos 149 mil hectares do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa, localizado entre as zonas rurais de Altamira e Novo Progresso, vão desde a prática de garimpo ilegal de grande porte e indícios de extração ilegal de madeira até desaparecimentos e pelo menos cinco assassinatos relacionados a conflitos agrários desde 2011 – três deles em 2018. Além disso, há um projeto de mineração mantido em terra pública pela multinacional da mineração de ouro Chapleau Exploração Mineral, capaz de impactar não só os assentados do Terra Nossa, mas também os indígenas Kayapó que habitam a vizinha Terra Indígena (TI) Baú.
José Cícero da Silva/Agência Pública
Vista aérea do PDS Terra Nossa, entre Altamira e Novo Progresso, região onde ocorreu o “dia do fogo” em agosto
Se no papel o PDS Terra Nossa foi destinado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) como um espaço para o desenvolvimento de atividades sustentáveis e de baixo impacto ambiental para pequenos agricultores, na prática o cenário encontrado pela reportagem é bem diferente. Atualmente, existem 142 fazendas no território – a maior parte delas griladas e impassíveis de regularização, segundo um trabalho técnico do Incra divulgado pela primeira vez pela Pública.
O caos fundiário reflete-se também em ameaças de morte, caso da assentada Maria Márcia Elpídia de Melo. Ela é presidente de uma das cinco associações de assentados do Terra Nossa, a Associação dos Produtores e Produtoras Rurais Nova Vitória. Em entrevista, Maria Márcia afirma que está numa espécie de cárcere privado e que vem sofrendo ameaças constantes por conta de denúncias que fez contra a exploração ilegal no assentamento. “Eles falaram que se eu não parasse eu ia morrer”, relata. Ela está há quatro meses sem ver o filho. “Eu sei que vou morrer. Só não quero que matem meu filho”, desabafa.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) acompanha o caso de Maria Márcia desde o ano passado e vem oficiando órgãos como o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), o Ministério Público Federal (MPF) e o próprio Incra a respeito das ameaças que a agricultora vem sofrendo. Após pedido da organização, em fevereiro deste ano, ela está sob acompanhamento do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH).
Desde 2011, foram pelo menos cinco assassinatos relacionados a conflitos agrários no interior do Terra Nossa, segundo levantamento feito pela CPT – quatro deles contra assentados do PDS e um contra um funcionário de uma das fazendas. Assentados ouvidos pela reportagem falam em nove mortes desde que chegaram ao local, em 2007, e dizem que todos os companheiros de assentamentos mortos estavam sofrendo assédios de grileiros e madeireiros.
Canetada deu a grileiros mais que um “Rio de Janeiro” em terras
A história do assentamento Terra Nossa registra diversas ilegalidades de antigos servidores da direção do Incra já denunciados pelo MPF. Segundo o MPF, esses antigos servidores se uniram aos grandes detentores de terra para reduzir de modo ilegal justamente a área destinada à reforma agrária nas regiões de interesse econômico dos madeireiros, fazendeiros e da Chapleau Exploração Mineral.
A redução da área em 2014 foi chancelada por Luiz Bacelar Guerreiro Júnior, ex-superintendente do Incra de Santarém (PA) preso e denunciado na Operação Madeira Limpa, do MPF, como um dos integrantes de uma quadrilha formada por servidores públicos, madeireiros e intermediários que explorava ilegalmente madeira em áreas públicas no oeste paraense.
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A canetada de Bacelar reduziu a área do PDS Terra Nossa de 149 mil hectares para pouco mais de 20 mil. No documento assinado pelo ex-superintendente do Incra de Santarém, foram excluídas justamente as propriedades dos fazendeiros ilegais e da mineradora Chapleau.
Com isso, 129 mil hectares de terra pública destinada à reforma agrária – área superior à da cidade do Rio de Janeiro – passaram oficialmente ao domínio dos fazendeiros apontados como grileiros do Terra Nossa. Ainda segundo o Incra, a redução da área do PDS ocorreu após um acordo no escritório Sichoski Advocacia e Consultoria Jurídica, de Felipe Sichoski, advogado de Novo Progresso filho de Demétrio Sichoski, ex-vereador da cidade de Matupá (MT) pelo DEM, que mantém com o irmão uma área de 9 mil hectares onde funciona um garimpo de ouro no Terra Nossa.
“Eu sei que vou morrer. Só não quero que matem meu filho”, diz liderança no Pará
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A Pública obteve a ata do acordo com a assinatura de Bacelar, outros servidores do Incra, pessoas tidas como detentores ilegais de terra no PDS e associações de assentados que consentiram com a prática. A associação presidida por Maria Márcia foi a única a não assinar o acordo de redução da área.
O MPF emitiu uma recomendação em junho de 2015 determinando o cancelamento da redução por falta de sustentação técnica e indícios de ilegalidades; além disso, denunciou Bacelar e outros servidores do Incra por improbidade administrativa na condução do caso.
A redução do PDS Terra Nossa foi revertida ainda em 2015, o que gerou revolta entre os fazendeiros de Novo Progresso e região, que chegaram a fechar o tráfego da BR-163. Para mediar os ânimos do conflito, foi realizada uma audiência pública com representantes do Incra e do MPF em Santarém em março de 2016. Ficou determinado que o Incra faria uma vistoria em campo para verificar a situação ocupacional do assentamento. Ao final do trabalho técnico, o órgão diagnosticou a situação dramática de apropriação de terras públicas, exploração ilegal de recursos naturais e violência no assentamento.
Fonte: https://apublica.org/2019/09/mortes-garimpo-e-grilagem-assolam-assentamento-mais-incendiado-do-para/
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