A luta também une
Próximo ao 28 de junho, Dia do Orgulho LGBTI, conheça a
história de luta, amor e resistência de Isabel e Lúcia
19 de junho de 2019 16h11 “Estamos há 15 anos juntas”,
afirmam Isabel Soares (34) e Lúcia do Socorro (41). Lésbicas, educadoras do
campo e trabalhadoras Sem Terra, elas contam que a luta do MST no interior do
estado do Pará atravessa a construção de suas orientações sexuais e de uma
família composta por duas mulheres e dois filhos, o pequeno Pedro Luide (8) e a
Maria Cecília (7).
Isabel é filha de assentados de reforma agrária e participa
da luta desde os 12 anos. Lúcia, sem vínculo com o MST num primeiro momento, já
contribuía em atividades da igreja católica e em movimentos de juventudes.
Apesar de estarem em espaços distintos, ambas se conheceram
a partir de amigos e em atividades formação. Na época, Lúcia estudava pedagogia
e Isabel, magistério.
Ambas recordam que, no início, o relacionamento não foi
afirmado em público. “Primeiro, porque precisávamos passar pelo o processo de
aceitação individual para que o relacionamento se torna-se público […]. E essa
aceitação foi um processo um pouco difícil para nós”, explica Isabel.
Porém, mesmo com essa orientação sexual em construção, ela
conta que já “gostava de mulheres”, mesmo assim “era muito estranho e não
demonstrava”.
“Meu pai me apoiava muito, mesmo sendo uma pessoa analfabeta
e que trabalhava muito na roça, ele me passava uma confiança muito grande e
para mim isso foi super importante. Já a minha mãe, não. Ela sempre teve muita
dificuldade e, por muito tempo, mesmo depois de eu assumir e irmos morar juntas
[com a Lúcia], eu chegava na casa dela [mãe] e ela me perguntava que dia eu
chegaria com meu marido.”
Se Isabel tinha problemas no relacionamento com os pais,
Lúcia tinha muita dificuldade de se entender enquanto lésbica. Ela conta que
sempre teve “resistência” com sua sexualidade e por muito tempo ficou confusa,
mas já se envolvia com mulheres.
“A militância nos uniu”
A partir do curso de pedagogia e das diversas atividades
realizadas no campo da educação, Lúcia conheceu o MST e contribuiu com o
Movimento a partir dos anos 2000. Sobre esse primeiro contato, a Isabel diz que
também foi um momento em que ambas se encontram e passaram a trabalhar juntas.
“Nós fomos participar de uma brigada de militantes que ia
contribuir no processo de organicidade de um assentamento e iríamos passar por
lá uns dois anos. O que acontece é que com o passar do tempo, nos envolvemos
com tarefas dentro da escola do assentamento, contribuindo sempre com a
organicidade. Ou seja, os laços de matrimônio entre a gente foi a militância. A
militância foi o que nos uniu e nos deu mais coragem para nos aceitar e nos
definir”, comenta Isabe
Além disso, elas destacam também que foram o primeiro casal
de lésbicas que assumiu publicamente o relacionamento numa atividade do MST no
estado.
Família no assentamento
Após o trabalho militante, elas decidiram morar juntas no
assentamento Palmares 2, localizado em Parauapebas (PA), e continuaram atuando
na educação. Esse era o mesmo assentamento onde a família da Isabel residia, e
com isso algumas dificuldades foram encontradas.
Família reunida. Foto_ Acervo Pessoal.jpeg
Família reunida. Foto: Acervo Pessoal
“Quando chegamos no assentamento, “Quando chegamos no
assentamento, publicamente ninguém falava nada, mas sentíamos os olhares de
reprovação. Mesmo assim, a maioria dava apoio e nós fomos construindo essa
ideia e vendo a possibilidade das questões mais concretas, entre elas a
construção de um lar, pensando em ter a nossa casa, as nossas coisas, a nossa
vivência. A partir desse momento começamos a desenvolver atividades nos quais a
gente convidava a nossa família”.
Isabel conta que para Lúcia era complicado, porque a família
dela estava em Belém, mas mesmo assim, sua mãe estava presente sempre que
podia. “Já com a minha família isso era mais difícil, eles se afastaram de
mim”.
Mesmo assim, o casal seguiu junto no assentamento Palmares
2, construindo novos laços de amizade e de confiança com a própria comunidade.
“A constituição da nossa família no assentamento é muito positiva. Quem nos
conhece sabe que nós constituímos uma família e nos trata de forma muito
bacana. Porque quando a gente chega num espaço perguntam sempre pela outra,
pelas crianças. Ou seja, já nos olham sabendo e respeitando que somos um casal,
que temos filhos e somos uma família”, explica Isabel emocionada.
Sobre o ser mãe, ela conta ainda que é muito difícil, mas
gratificante. “Além das coisas que a gente já carrega, do peso de ser quem nós
somos realmente, pensar no outro ser constituindo essa relação surgem muitas
preocupações. A gente pensa nessas questões, mas, por outro lado, a gente fica
bem feliz. Porque a possibilidade de construir uma família é muito gostoso. É
incrível como muda totalmente a rotina da gente com a chegada dos filhos. Você
não vive mais para si, vive para o outro”.
Já para Lúcia “ser mãe é uma resistência” e relata uma
preocupação grande com o preconceito que as crianças podem vim a sofrer.
Acerca desses limites, dificuldades e desafios de construir
uma família composta por duas mulheres num assentamento, Isabel e Lúcia
compreendem que a superação da descriminação e do preconceito só será
construída na coletividade.
“Acredito que a gente precisa planejar estratégias de
formação com nosso povo. Precisamos massificar o estudo sobre o patriarcado e a
LGBTfobia”, enfatiza Isabel. Nesse mesmo sentido, Lúcia acredita que o
principal desafio é avançar nos acampamentos e assentamentos, desenvolvendo um
amplo processo de participação popular na luta e na construção de novos
valores. “Valores estes que respeitem todas as formas de ser e de amar”,
conclui.
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