Vacina politizada
O presidente Bolsonaro faz o país viver um esdrúxulo
retrocesso ao assumir a disputa comercial dos Estados Unidos com a China.
Caminhamos para uma relação conturbada com a empresa chinesa Huawei devido à
tecnologia 5G, pois a China está mais avançada que os Estados Unidos nesse
quesito, mas nossa política externa acha justificável o veto americano à
empresa chinesa devido a uma geopolítica ultrapassada que nos coloca como
subalternos dos Estados Unidos, numa guerra comercial entre as duas potências
que poderia nos trazer vantagens.
Agora, abre-se a disputa sobre a “vacina chinesa”, como
Bolsonaro chama a vacina que será produzida no Instituto Butantã, assim como
Trump gosta de chamar a Covid-19 de “vírus chinês”. A pandemia foi politizada
entre nós desde seu início, quando o Palácio do Planalto colocou-se contra os
governadores na definição das medidas preventivas ao novo coronavírus, como
distanciamento social, uso de máscaras e lockdown.
Houve a contraposição de uma política personalista, que
queria encontrar a todo custo um remédio milagroso para evitar que a economia
parasse, às recomendações médicas que eram seguidas pelos dois primeiros
ministros da Saúde, Luiz Mandela e Nelson Teich, demitidos por causa dessa
divergência.
O governador de São Paulo João Doria viu nessa situação a
possibilidade de destacar-se como defensor da ciência e da medicina, e assumiu
essa tarefa com afinco, produzindo coletivas diárias dando conta do que o
estado mais rico do país fazia contra a Covid-19, montou uma equipe técnica do
mais alto nível.
Essa polarização levou à crise atual, sucedânea de várias
outras, que coloca agora a vacina produzida pela empresa chinesa Sinovac em
parceria com o Instituto Butantã no alvo do presidente Bolsonaro. Doria quer
ser o pioneiro na imunização contra a Covid-19, o que lhe dará uma visibilidade
nacional positiva. Isso, Bolsonaro não quer que aconteça, e a vacina chinesa
“do Doria” foi barrada por mais uma intempestiva reação do presidente diante de
reclamações nas redes sociais de seus seguidores mais radicalizados.
Do comprometimento com a compra de milhões de doses da
vacina chinesa até o “esclarecimento” de que houve um mal-entendido, não
demorou 24 horas. Bolsonaro sentiu-se traído por Pazzuelo, dizem alguns. Outra
versão diz que ele sabia, mas, diante da reação de sua claque, recuou, deixando
seu ministro da Saúde abandonado.
Entre idas e vindas, mais enfático nas redes sociais, mais
cuidadoso nas entrevistas, Bolsonaro diz que o governo brasileiro somente
comprará vacinas que sejam avalizadas pela Anvisa. Como se fosse possível
alguma coisa diferente disso, embora o ministerio da Saúde já tenha comprado
milhões de doses da vacina de Oxford, que no Brasil será produzida pela
Fiocruz, antes de ela estar autorizada pela Anvisa.
Nenhuma vacina no mundo, hoje, pode ser liberada pelos
órgãos científicos de controle, pois ainda estão em fase de testes. Mas é
prudente que se reserve certo número de doses, até mesmo pagando
antecipadamente, pois a corrida pela vacinação será grande. O Brasil tem agido
corretamente neste caso, já reservou vacinas no grupo organizado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), já comprou vacinas de Oxford, do
laboratório AstraZeneca.
O problema é que precisaremos de muitos milhões de doses da
vacina para imunizar a população brasileira, pois as vacinas até agora estão
previstas para serem dadas em duas doses. O próprio ministro da Saúde, Eduardo
Pazzuelo, disse, na entrevista em que anunciou a compra da vacina chinesa, que
a vacina Coronavac está mais adiantada que as demais, e poderá chegar ao Brasil
pelo menos um mês antes das suas concorrentes. A Indonésia ontem anunciou que
começará a vacinação de sua população já agora em novembro, e comprou 50 milhões
de doses da vacina chinesa.
Sem dúvida será mais um golpe na nossa economia, que terá
que investir um dinheiro que não existe para um amplo programa de vacinação.
Mesmo assim, diante de uma pandemia que está longe de acabar, o ideal seria que
a vacinação fosse compulsória, como prevê a lei da pandemia. Estamos,
novamente, regredindo no tempo, agora para a Revolta da Vacina no Rio de
Janeiro em 1904, contra as campanhas de saneamento de Oswaldo Cruz, que
incluíam a vacinação obrigatória contra a varíola. Agora, temos um presidente
negacionista e pragmático à frente da reação contra vacinas.
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