Aos 76 anos, idosa que aprendeu a ler e escrever depois dos
50 lança livro de poemas: 'Hoje temos voz'
O livro 'Jardim de Rosa-Palavra' será lançado em dez"O
sonho de uma menina era estudar, mas a mulher que a criava só a fazia
trabalhar. (...) O tempo foi passando e a menina bem mais velha não tinha
esquecido seu sonho de estudar, ganhou um lápis quebrado e caderno rasgado
escrito algumas vogais. Que alegria ficou, serviu para a vida toda um sonho que
ela conquistou".
O caderno rasgado descrito no trecho desse poema virou
livro. A menina, uma escritora aos 76 anos.
A aposentada Maria da Conceição Paulo – ou Pretinha, como
gosta de ser chamada e como é conhecida no bairro onde mora, Alto Vera Cruz, na
Região Leste de Belo Horizonte – aprendeu a ler e a escrever com 51 anos. Antes
disso, só conhecia o "ABC" de ouvir falar. O livro dela, "Jardim
de Rosa-Palavra", será lançado em dezembro.
"Depois que aprendei a ler e a escrever nunca mais quis
parar. Os casos, assuntos, conversas que escuto ou experiências da minha vida,
foram parar no meu caderno. São 76 poemas, escritos por mim", conta,
orgulhosa.
Muito atuante em trabalhos sociais voltados para a terceira
idade e integrante do grupo Meninas de Sinhá, Pretinha contou que tinha um
caderno de poemas e, pouco tempo depois, apareceu gente interessada em publicar
suas poesias.
Isoladas, idosas de grupo de cantigas em favela de BH driblam
a saudade cantando, dando de comer às galinhas e fazendo videochamada
Com uma vida de muita luta, a mãe de três filhos e avó de 14
netos contou que só parou de trabalhar na roça quando veio para Belo Horizonte,
aos 12 anos de idade, órfã de pai e de mãe. Ela nasceu na cidade de Conselheiro
Lafaiete, na Região Central de Minas Gerais.
"Fui criada na casa de família, de um lado pro outro.
Nunca tive família. Nunca fui criança. Desde os 5 anos trabalhava na roça,
quando eu não conseguia carregar a enxada, eu levava água para os
trabalhadores. Aos 7, eu capinava, carregava troncos, fazia de tudo",
lembra.
Pretinha chegou a se formar em enfermagem, mas nunca atuou.
Ela se aposentou como empregada doméstica. Trabalhava sozinha para criar os
filhos – "o pai deles não gostava da labuta".
Da favela para o mundoembro. Poemas foram tirados do caderno
de Maria da Conceição Mas ela não gosta de falar só das batalhas que teve que
enfrentar. "Por que a gente olha só pra ruindade da vida e não para a
bondade? Tem muita coisa boa aí sim, apesar de todo sofrimento", diz a
aposentada.
Com todo o otimismo e vontade de mudar a rota da vida sofrida,
Pretinha, que nunca tinha viajado de avião, foi parar na Polônia.
Grupo mineiro ‘Meninas de Sinhá’ desembarca na Polônia para
‘Brave Festival’
"Até hoje lembro do frio na barriga de ter passeado de
avião e ter conhecido a Polônia com minhas amigas do Meninas de Sinhá. Nunca
imaginei ir tão longe, nem consegui fazer poesia com a viagem ainda",
contou.
Pretinha nem lançou o primeiro livro ainda e já está com planos
para a segunda publicação.
"Já quero o segundo. Poemas eu tenho pra isso. Tomei
gosto", diz.
"A importância de um negro é a raiz da terra forte que
cravou o chão plantou e colheu". Foi com trecho do poema "Raiz dos
negros", que ela mesma escreveu, que Pretinha declamou ao ser perguntada
sobre racismo, no mês da Consciência Negra.
"Eu sofri muito quando criança. Era a única negra da
família que me criou. Até hoje lembro das "brincadeiras" que faziam
comigo. Tenho certeza que eu trabalhava duro, pesado, por causa da minha cor.
Eles faziam questão de falar isso", lembra.
"Hoje, temos voz. Quem sofrer preconceito tem que
responder à altura".
'Raiz dos negros'Paulo, a Pretinha, do grupo Meninas de Sinhá.
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