segunda-feira, 17 de maio de 2021

A morte anunciada de Josimo Tavares Depois de 35 anos de sua morte anunciada – e consumada a mando do latifúndio –, Josimo de Morais Tavares, mártir da luta em defesa dos trabalhadores rurais sem terra da região conhecida como Bico do Papagaio, na divisa dos estados do Maranhão e (hoje) Tocantins, continua presente nos movimentos e conquistas da luta pela terra NotíciasPor Pedro Tierra Da Xapuri Socioambiental “... Estou empenhado na luta pela causa dos pobres lavradores indefesos, povo oprimido nas garras dos latifúndios. Se eu me calar, quem os defenderá? Quem lutará a seu favor?(…) Nem o medo me detém. É hora de assumir. (…) A minha vida nada vale em vista da morte de tantos pais lavradores assassinados, violentados e despejados de suas terras, deixando mulheres e filhos abandonados, sem carinho, sem pão e sem lar. É hora de se levantar e fazer a diferença. Morro por uma causa justa! Josimo Tavares Há um dizer antigo entre os homens da raça dos rios: a morte, quando se anuncia, devora a sombra do corpo e inventa a luz da solidão. Você se afastou sob o sol. Era 14 de abril. Busquei-lhe a sombra sobre o chão da rua e não havia sombra. Ainda busquei tocá-lo. Falamos da vida e da morte (a arma que me matará já está na oficina…) E você sorria manso desde a defendida solidão dos místicos. Falamos da luta e da necessidade de prosseguir (os tecelões da morte forçam os teares, arrematam os fios do tecido que te cobrirá…) Incendiaram nossas casas. Destruíram plantações. Saquearam celeiros. Derrubaram cocais. Envenenaram as águas. Invadiram povoados. Torturaram nossos pais. Arrancaram as orelhas dos mortos. Atiraram nos rios corpos mutilados. Derrubaram a cruz que erguemos, sinal aceso de nossa memória. Cortaram a língua dos nossos irmãos. Violaram nossas filhas. Assassinaram inválidos. Queimaram a sangue e fogo a terra que trabalhamos. (…) Todos sabiam dessa morte. A cerca do latifúndio sabia. Os pistoleiros, os assalariados da morte, a polícia fardada e paisana, o GETAT, os garimpeiros, os bêbados, as prostitutas, as professorinhas, as beatas, as crianças brincando no areal da rua sabiam. Os homens da terra, os posseiros, os saqueados, as mulheres alfabetizadas pela dor e pela espera sabiam. O prefeito, o juiz, o delegado, a UDR, os fazendeiros, os crápulas sabiam. As mãos dos assassinos poliam as armas. A igreja sabia e esperava… A haste orgulhosa do babaçu sabia. E dobrava as palmas num lamento e multiplicava a ciência dessa morte, os passarinhos, o relógio dos templos mastigando o comboio da horas e não se deteve, a água dos rios não se deteve, fluindo irremediável a hora dessa morte. A pedra dos caminhos sabia e permaneceu muda, o vento sabia e anunciava seu gemido todavia indecifrável Tuas sandálias sabiam e continuaram a caminhar. Eu, que nasci votado à alegria e vivo a contar o rosário interminável dos mortos não fiz o verso, espada de fúria, que cindisse em dois o comboio das horas e descarrilasse o tempo de tua morte. Você sabia. E sorria apenas. Como quem se lava para chegar vestido de algodão e transparência à hora da solidão. Quem é esse menino negro que desafia limites? Apenas um homem. Sandálias surradas. Paciência e indignação. Riso alvo. Mel noturno. Sonho irrecusável. Lutou contra cercas. Todas as cercas. As cercas do medo. As cercas do ódio. As cercas da terra. As cercas da fome. As cercas do corpo. As cercas do latifúndio. Trago na palma da mão um punhado de terra que te cobriu. Está fresca. É morena, mas ainda não é livre como querias. Sei aqui dentro que não queres apenas lágrimas. Tua terra sobre a mesa me diz com seu silêncio agudo – Meu sangue se levantará como um rio acorrentado e romperá as cercas do mundo. (…) Goiânia, maio/86 – Pedro Tierra, poeta da Liberdade SOBRE A MORTE ANUNCIADA DE JOSIMO TAVARES Depois de 35 anos de sua morte anunciada – e consumada a mando do latifúndio –, Josimo de Morais Tavares, mártir da luta em defesa dos trabalhadores rurais sem terra da região conhecida como Bico do Papagaio, na divisa dos estados do Maranhão e (hoje) Tocantins, continua presente nos movimentos e conquistas da luta pela terra. Em todo o Brasil, centenas de acampamentos de Sem Terra e assentamentos da Reforma Agrária persistem na resistência sob o nome do padre católico, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Bico do Papagaio, assassinado no dia 10 de maio de 1986, enquanto subia as escadas do prédio da Mitra Diocesana de Imperatriz (MA), onde funcionava o escritório da CPT Araguaia-Tocantins. Josimo foi assassinado aos 33 anos de idade (1963–1986), com dois disparos de uma pistola calibre 7,65 mm, pelo pistoleiro Geraldo Rodrigues da Costa, com a participação de Vilson Nunes Cardoso. Em seus últimos anos de vida, sofreu vários atentados. Com a morte anunciada, registrou seu “testamento” ante a Assembleia Diocesana de Tocantinópolis (MA), em 27 de abril de 1986, poucos dias antes da sua partida. “... Estou empenhado na luta pela causa dos pobres lavradores indefesos, povo oprimido nas garras dos latifúndios. Se eu me calar, quem os defenderá? Quem lutará a seu favor?(…) Nem o medo me detém. É hora de assumir. (…) A minha vida nada vale em vista da morte de tantos pais lavradores assassinados, violentados e despejados de suas terras, deixando mulheres e filhos abandonados, sem carinho, sem pão e sem lar. É hora de se levantar e fazer a diferença. Morro por uma causa justa!” Josimo de Morais Tavares

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