Empresa que fiscaliza barragens para o governo é cliente de
mineradoras
Ministério Público Federal vai investigar possível conflito
de interesse em contratação sem licitação pelo governo federal
Cliente no exterior das mineradoras BHP Billiton, Kinross,
Rio Tinto e Anglo American, a empresa americana Aecom foi contratada sem
licitação pela Agência Nacional de Mineração (ANM), vinculada ao Ministério de
Minas e Energia , para auxiliar os trabalhos de fiscalização e vistoria de
barragens pertencentes às suas empregadoras. Ela foi escolhida pela autarquia
do governo federal, apesar do projeto básico de contratação prever
independência.
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De acordo com o documento a que a Agência Pública teve
acesso, a empresa admitida para prestar a assessoria técnica à ANM deve ser
independente e não possuir ou ter possuído “relação contratual de subordinação
com as companhias proprietárias de estruturas de barragens de mineração objeto
da contratação” para “evitar potenciais ou efetivos conflitos de interesse ”.
No entanto, na lista das 336 barragens localizadas em 14
estados que passarão pela perícia da filial brasileira da Aecom , duas são da
Mineração Rio do Norte (MRN) — que tem a Rio Tinto como acionista , quatro são
da Kinross e da Anglo American e dez são da Samarco — que tem a BHP Billiton como
uma de suas controladoras.
A Aecom foi contratada pela ANM com objetivo de fornecer
informações sobre as condições de determinadas estruturas de contenção de
rejeitos de mineração a fim de subsidiar ações e decisões de competência da
autarquia. Dentre as atribuições da Aecom, por exemplo, está previsto o
levantamento dos riscos e fatores de segurança das barragens, assim como a
capacitação dos servidores da agência.
A contratação de uma assessoria técnica independente para
auxiliar o trabalho da ANM está prevista no acordo judicial firmado entre a
União e o Ministério Público Federal, em Minas Gerais, em outubro de 2019, dez
meses após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho.
Providências cabíveis
A pedido da procuradoria, a reportagem encaminhou os
documentos que comprovam os vínculos da Aecom com as mineradoras no exterior.
Em resposta, o MPF informou que irá apurar a veracidade das informações. “Se
confirmado qualquer impedimento ou suspeição por parte da empresa contratada,
que afete a sua atuação independente, serão adotadas as providências cabíveis”,
ressaltou o órgão.
As informações dos projetos que contaram com a participação
da Aecom estão no site da própria
empresa. Ela trabalhou, por exemplo, em
três obras da BHP Billiton. Dentre elas, a construção de uma barragem no sul da
Austrália. A Aecom prestou serviços para aumentar a produção de uma mina da Rio
Tinto, também na Austrália, e de uma mina de ouro da Kinross na Mauritânia.
Para a Anglo American, ela fez o relatório de impacto ambiental de expansão de
um complexo minerário na Austrália.
Solicitações cumpridas
Por meio de nota, a Aecom garantiu que cumpriu com todas as
solicitações de informações a respeito de conflitos de interesse feitas pela
ANM durante o processo de seleção e contratação. “Nós temos confiança naquele
processo de contratação, bem como no alinhamento das informações divulgadas com
os mais altos padrões de ética e de conformidade”, acrescentou.
A empresa ainda argumentou que sua extensa experiência no
mercado de barragens é a razão pela qual seu conhecimento nas atividades de
monitoramento e auditoria é procurado por clientes ao redor do mundo.
A Pública entrou em contato com ANM e com o Ministério de
Minas e Energia mas não obteve retorno até a publicação.
Decreto sob medida
O contrato de R$10,418 milhões entre a ANM e a Aecom do
Brasil foi assinado em 31 de dezembro de 2019, com validade de 30 meses. Ele
ocorreu por inexigibilidade de licitação sob o argumento de que a Aecom entrega
um serviço único, que nenhuma outra empresa oferece.
A assinatura “só foi possível devido a alteração do decreto
que viabilizou a terceirização para auxiliar os trabalhos da equipe de
fiscalização da ANM”, conforme destacou a então Ministra Interina do Ministério
de Minas e Energia (MME), Marisete Pereira, durante a abertura da oficina de
capacitação oferecida pela Aecom, em 27 de janeiro.
A alteração do decreto 9.507, de setembro de 2018, citado
por Marisete, foi publicada 11 dias antes da admissão da Aecom, em 20 de
dezembro de 2019, “permitindo a contratação de serviços de apoio à execução da
atividade fim”.
O doutor em política ambiental e professor da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Milanez, alerta que é arriscado deixar
uma empresa privada cuidar da segurança de barragens. Ele avalia que essa
contratação foi uma medida emergencial devido ao que chamou de desmonte da ANM,
mas ressalta que outras medidas, como um novo concurso para contratar técnicos,
deveriam estar sendo tomadas. “O contrato é emergencial, o que acontece quando
ele acabar, ou vai virar uma dependência?”, questiona.
Os concursos públicos que selecionaram especialistas e
técnicos em recursos minerais do extinto Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNMP), por exemplo, não exigiram experiência prévia em geotecnia,
hidráulica, hidrologia e segurança de barragens — especialidade da assessoria contratada.
“A gente não terceiriza fiscal da receita, por exemplo. É
uma pessoa que é contratada, concursada, e ela é uma funcionária de carreira e
o compromisso dela é com o bem estar da sociedade. A gente está falando de
segurança de barragens, eu entendo que o princípio deveria ser o mesmo”,
ressaltou Milanez.
"Qual vai ser o critério?"
Ele destaca ainda que quando o contrato com a ANM acabar,
corre o risco de a Aecom ser contratada por uma mineradora como consultora de
auditoria. “E qual vai ser o critério de hierarquia junto aos técnicos da ANM
que ela assessorou?”. Na avaliação dele, “a estrutura que está sendo construída
é uma estrutura falha que coloca em risco o sistema de fiscalização de
barragens do país”.
Em vez de investir na autarquia para melhorar a fiscalização
de barragens, o governo sinalizou um corte de 9,05% no orçamento da Agência em
2021. Conforme mostrou reportagem do jornal O Globo, esse corte pode fazer com
que a ANM quebre o acordo firmado com o MPF que prevê verbas adicionais ao
orçamento do órgão.
Parceira do MPMG
Além do contrato firmado com a Agência Nacional de Mineração
para auxiliar os trabalhos de fiscalização e vistoria de barragens, a Aecom
presta serviços de auditoria independente ao Ministério Público de Minas
Gerais, desde 2016.
Ela passou a atuar após o rompimento da Barragem em Mariana,
em novembro de 2015, que matou 19 pessoas, arrasou comunidades, provocou um
estrago imenso na bacia do rio Doce e em seu entorno e levou a lama de rejeitos
de minério até o oceano Atlântico.
É a Aecom quem faz o acompanhamento da segurança das
estruturas do Complexo Germano, onde estava a barragem de Fundão, que rompeu.
Ele pertence à Samarco, que é controlada pela Vale e pela BHP Billiton —
cliente da empresa no exterior. Este mesmo complexo será vistoriado pela Aecom
por meio do contrato firmado com a ANM.
Ela também audita para o MPMG o plano de manejo de rejeitos
que vem sendo implementado pela Fundação Renova na bacia do Rio Doce.
Depois do rompimento das barragens da Vale, em Brumadinho,
no ano passado, ela ainda passou a monitorar para a promotoria mineira todas as
ações de recuperação socioambiental implementadas pela mineradora na bacia do
rio Paraopeba decorrentes do desastre.
Além disso, a Aecom é responsável pela auditoria
independente das barragens existentes nas minas da Vale situadas em Itabira,
também previstas na lista do seu contrato com a ANM.
O MPMG informou à reportagem que devido ao princípio do
“poluidor-pagador” as mineradoras custeiam os serviços prestados pela empresa,
mas que ela é escolhida pela promotoria. O mesmo ocorre nos serviços que a
Aecom presta ao Ministério Público do Espírito Santo também relacionados ao
rompimento da barragem em Mariana, segundo o órgão capixaba.
Fonte: undefined - iG @
https://economia.ig.com.br/2020-09-13/empresa-que-fiscaliza-barragens-para-o-governo-e-cliente-de-mineradoras.html
Ao serem questionados sobre possível conflito de interesse pelo fato de a
empresa ter vínculo com a BHP Billiton no exterior, o MPMG e o MPES informaram
que os contratos são analisados pelos promotores de Justiça responsáveis e
“precisam refletir exatamente as previsões de imparcialidade e independência
inseridas nos Termos de Compromisso”. “É importante ressaltar que a Aecom vem
prestando ao Ministério Público, de forma imparcial e independente, um trabalho
de excelente qualidade”, acrescentaram os órgãos.
Na outra ponta, a mesma Aecom foi escolhida pelo juiz Mário
de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara da Justiça Federal em Minas Gerais, como
perita judicial em ações que também estão relacionadas ao rompimento da
barragem em Mariana. A reportagem entrou em contato com o Tribunal Regional Federal,
mas não obteve retorno.
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