Amazônia sob
nuvens cinzas, Charles Trocate, do MAM, analisa o ambiente de incertezas.
“O que a
vitória de Bolsonaro fez foi bagunçar a trajetória da democracia, já estava a
um passo da oligarquização, as forças democráticas precisam impedir que ela se completasse
nesse sentido”27 de dezembro de 2018 11h36.
Charles
Trocate é Amazônia, do estado Pará. É escritor, filosofo e militante político
que atua na coordenação nacional do Movimento pela Soberania popular na
Mineração-MAM. É um dos organizadores da coleção “A questão mineral no Brasil”,
em seu último livro, “Quando as armas falam, as musas calam?” Ambos pelo editor
iGuana fazem um balanço das lutas populares amazônicas em seu itinerário de
enfrentamentos a espacialização dos capitais destrutivos sobre a região.
Nessa
entrevista ao Blog Furo comenta temas políticos que elevaram a eleição de
Bolsonaro e sua indisposição ao diálogo. “Governos frágeis e condescendentes
são perigosos, tanto na esfera econômica como na resolução dos conflitos
internos. Um governo que opta pela ignorância e refuga o melhor da inteligência
nacional precipita seu próprio ato de governar.”
Assim, como
observa que o ponto nevrálgico do governo é a sua ampliação desagregadora sobre
a Amazônia, “É bom que se saiba a Amazônia é por natureza criadora de impasses,
políticos e jurídico institucional, do ciclo militar ao FHC e dele ao Lula, ela
movimenta o nosso sentido de país e por isso, não tão fácil, assimilá-la e nem
a modificá-la em um curto espaço de tempo como o querem”.
Em tom
crítico assevera, este governo será um governo impopular. “Arrisco a dizer que
o pacto, que conduz Bolsonaro é precário em demasia, revanchista da qual
nenhuma fração de classes, dominantes, ou força auxiliar terá condições de
manter em médio ciclo, por exemplo, como fez o Partido dos Trabalhadores”. E
que não há saída, para o campo popular senão “acumular força como profissão de
fé”.
Segue a
entrevista:
O que representa
a vitória Bolsonaro
Compartilho
sempre da ideia, preservando os limites de análises, da vitória voto a voto, e
não de governo, que a eleição de Bolsonaro derrotou mais a direita clássica
brasileira do que o campo democrático progressista. O que está na berlinda
agora é a classe média inculta, defensora de privilégios e não de direitos universalizastes,
ao seu favor, só a barbárie do empobrecimento lhe atormentando.
A adesão e o
consentimento das amplas massas a sua personagem, tem muito mais haver com
identificação política momentânea, do fato inglório, que outra definição. É
sabido na conjuntura política brasileira que alternamos sempre popularidade com
crises de impopularidade, e isso logo lhe alcançará como malfeito de governo e
calculo mental do mandatário.
A
impopularidade de Dilma recuperou ao nosso itinerário político de crises o
oportunismo de um congresso nefasto, que gerou não só a quebra do pacto do
presidencialismo de coalização desfigurado durante a ditadura civil militar,
mas, reinventado nas eras de FHC e Lula, como também os fatores políticos que
desaguam na eleição liquidada, a dispêndio da nossa reação, o que será o Bolsona
ismo de resultados?
Arrisco a
dizer que o pacto, que conduz Bolsonaro é precário em demasia, revanchista da
qual nenhuma fração de classes, dominantes, ou força auxiliar terá condições de
manter em médio ciclo, por exemplo, como fez o Partido dos Trabalhadores. De
certo modo, o antipetismo que ganhou as eleições turbinou o fracasso de muitos
partidos á direita e virará seu próprio pesadelo.
Como se comportará
o baixo clero no governo?
O Baixo clero
não penso unanime e a sua virtuose é a barganha bruta. São híbridos
ideologicamente, e não se reúnem por projetos de longo alcance na sociedade, a
mesura deles é o palavrão e a bravata. No entanto, está claro, que no caso
brasileiro pelo menos por agora não se faz política sem eles, eles existem,
ampliaram com ou sem merecimento seu poder.
E embora
momentaneamente a tendência seja voo seguro, o projeto de transformar a
sociedade brasileira do avesso, modernizando “o estado dependente” numa zona do
globo onde prevalece a “colônia congelada” ou ampliar o conservadorismo para
além das raias que se encontra, tem limites. Como aconteceu com os seus
sucessores, logo parecerá velho demais!
Todavia, é
verdade que voto descolado da constituinte de 1988, pelo golpe de 2016, em uma
eleição fraudulenta, deturpou o plano dos valores éticos, rebaixou o raciocínio
exequível à noção de direitos humanos, e sobrepôs à teocracia, a democracia
numa emergência de resultados inconciliáveis. Como, por exemplo, para qual dos
poderes republicanos apelarem quando seus próprios fundamentos são destituídos
de valor político?
Penso,
inclusive, que estamos olhando no espelho e não vendo feição alguma! O governo
Bolsonaro andara as margens da Constituição numa predicação de passado e
presente e há poucos dias para instaurar seu governo, já é assimilável nos
estertores do poder um autogolpe, ainda mais regressivo que o transcorrido de
2016. A esta altura o presidencialismo não é tudo, precisa combinar o jogo para
além do apoio aparente e ideologias teológicas estimuladas no Congresso
Nacional que assumirá.
O que devemos
temer?
Governos
frágeis e condescendentes são perigosos, tanto na esfera econômica como na resolução
dos conflitos internos. Um governo que
opta pela ignorância e refuga o melhor da inteligência nacional precipita seu
próprio ato de governar. Revoluções sociais são mudanças drásticas de senso
político, e em nosso curso histórico num intervalo de trinta anos simulamos o
país e a República, duas vezes, em 1989 na eleição de Fernando Collor, e de
agora, nos dois casos a política foi rebaixada a não política. Um jogo pesado
desmontou qualquer resolução pensada, longe da euforia, para os problemas que
ambientam a nossa crise.
Esta mudança
de senso comum só foi possível porque houve a combinação dos tempos políticos,
do baixo desempenho econômico, as fissuras no pacto de governabilidade e
inúmeras disputas ultraburguesas na condução das saídas, e para o nosso
espanto, a eleição de Bolsonaro demostra que alguma coisa deu errado. Ou seja,
nesse exato momento estamos entre o poder e o antípoda. Como não nos
salvaguardamos em nada o antipoder, dos militares é o que devemos temer. O poder está deturpado pelo judiciário.
O militarismo
intruso que de novo nos atormenta goza de privilégios, se desponta pelas mesmas
razões de antes, está sem controle, atua de livre arbítrio como também o
judiciário. Bolsonaro como soldado da guerra cultural não é nada sem a ameaça
dos militares e o sequestro do poder pelo judiciário.
Já é assimilável
a gênese desse governo?
Sim, a gênese
desse governo é o ultra liberalismo na economia e conservadorismo na política.
Nessa área tudo será cópia indecorosa de fora aliada à nossa esquizofrenia social,
democracia de baixa intensidade e autoritarismo elitista. Este será um governo
de um único senso: a do patrimonialismo, dos que tem contra os que não têm. Na
busca de popularidade, tenderá a constituir força a base de concessão de
privilégios, e está disposto a tudo, inclusive, a cair junto com seu programa
para não ceder no que lhe é fundamental. Mudar a rota civilizatória da qual
carecemos no dia a dia. É claro que não será um governo alheio, terá desafetos
e bajuladores e desde já está implicado com uma oposição natural, o
fisiologismo sistêmico. Nessa tendência, olhando com caleidoscópio, estamos em
ápice e levando para um único momento esse desdobramento. Só uma nova
constituição será capaz de alterar os estragos que ele fará. O Governo resultado
de uma eleição atípica será fundamentalmente um governo atípico. Não tem
condições alguma de produzir sínteses inovadoras para os dilemas brasileiros!
O bloco de
poder não se ampliou?
Sem soma de
dúvidas, se ampliou muito mais como resultado dos fatores externos, a avalanche
do rentismo sobre as economias coloniais do que o de natureza nativa. A elite
está no cadafalso com o que aconteceu, é arriscado demais este movimento e o
nosso padrão de desigualdade joga em desfavor. A sociedade brasileira é muito
complexa e logo a corda poderá arrebentar. Sobretudo nos setores populares, que
contará com a memória que houve recentemente na sua vida melhoria econômica.
Ainda que não associe isso ao PT, distinguirá que viveu bem melhor do que os
dias atuais. E não haverá igreja que impeça de vela. No entanto é preciso notar
que o bloco de poder se ampliou, sobretudo a destruição consentida do mundo do
trabalho com a reforma trabalhista e agora com a extinção do Ministério do
Trabalho. Nisso é preciso argumentar que o caminho da servidão, será a tônica
traduzida em medidas impopulares. O controle hegemônico do bloco de poder
implica em estrondosa subalternidade. É urgente incidi na organização política
do mundo do trabalho!
O que é a
Amazônia no Governo Bolsonaro?
Ela é o
centro de uma disputa que não se iniciou agora, e até digo, a Amazônia é o
vetor do governo Bolsonaro, ninguém até agora na história a castigou, em
adjetivos negativos como ele, por isso este governo só dará certo, se quebrar
os marcos civilizatórios inerentes a região. Todavia é bom que se saiba a
Amazônia é por natureza criadora de impasses, políticos e jurídico
institucional, do ciclo militar ao FHC e dele ao Lula. Ela movimenta o nosso
sentido de país e por isso, não tão fácil, assimilá-la e nem a modificá-la em
um curto espaço de tempo como o querem. É como se mais uma vez reajustássemos
nossos impasses a lutas decisivas. Falando de outra forma o Estado colonial
brasileiro nasceu sem a Amazônia e contra ela, contra a suas civilizações, como
é o caso da terra “Raposa Serra do Sol” o conflito de ponta, entre outros de
caráter mineral, agrário e agrícola, em rolagem perpétua de capital
transnacional. Bom, depois não venham pedir complacência! O que podemos dizer é
que se abrirá para exercitamos dentro e fora da Amazônia lutas criativas, e que
o campo popular deverá trabalhar pedagogicamente para acumular força política
como profissão de fé!
Uma ideia
conclusiva.
O que a
vitória de Bolsonaro fez foi bagunçar a trajetória da democracia, já estava a um
passo da oligarquização, as forças democráticas precisam impedir que ela se completasse
nesse sentido. E mais dia menos dia, creio
se abrirá um período de reformas radicais, está nele a nossa sorte política
mais imediata! É não andar em recuo e não desperdiçar a energia política das
massas com frivolidades.
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