
Conheça a luta na faGilberto Lopes dos Reis, 56 anos,
vazanteiro e pescador, nasceu e cresceu nas imediações da Fazenda Rodeador,
pertencente à Arapuim Agropecuária e Industrial e SAFRA, em Pedras de Maria da
Cruz/MG, propriedade penhorada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social – BNDES, abandonada há mais de 14 anos pelos proprietários e ocupada
por integrantes do Movimento Sem Terra, posseiros, vazanteiros, pescadores,
quilombolas desde 2014. Oficialmente os documentos comprovam uma propriedade
com 2.432 hectares e outros 8 mil hectares objeto de recorrentes grilagens. São
mais de 10 mil hectares que já abrigaram projetos de irrigação para a produção
de grãos e por último a criação de gado, propriedade agrícola que foi ao longo
da sua história palco de muita ilegalidade.
Foto: Laura Murta
Beto, como é conhecido, é uma liderança e importante
referência do grupo. Reúne com sua história de vida diversas garantias
constitucionais que legitimam o seu direito à titularidade de seu pedaço de
terra. Beto e sua família são pela Constituição de 1988, considerados população
tradicional, é um pescador, um vazanteiro, homem que tem a vida ligada ao rio,
assim como os barranqueiros, observam as cheias que trazem peixes e a renovação
para a vida. Cultivam milho, feijão e outros alimentos, retira seu sustento da
pesca, da agricultura familiar e da criação de pequenos animais, Beto é também
um posseiro. Trabalha na Fazenda desde criança e vive do que essa imensidão de
cerrado permite. “Eu não ocupei terra aqui não. Eu já morava aí dentro, eu só
acompanhei o Movimento. Quando eles entraram, já entraram respeitando o meu
local, que eu ficava já tinha mais de trinta anos”. O direito à terra, advindo
do tempo que nela Beto e sua família vivem e produzem está sendo questionado.
E o pescador nos dá uma aula sobre a conjuntura nacional, de
acirramento no campo e de graves violações de direitos. “Do ano passado pra cá
acabou o respeito. Tudo aquilo que nós tínhamos direito, do ano passado para
cá, acabou. Hoje nós não estamos tendo direito nem dentro da nossa casa. Não
pagam o nosso seguro (Seguro Defeso) na época certa e a polícia está em cima
direto. Eles não estão olhando se você é posseiro, se você é tradicional. Tudo
o que você corre para ter direito eles derrubam. Você não tem certeza nem
dentro da sua casa. É perigoso eu chegar lá em casa, e a porta está quebrada e
a polícia já entrou e revirou tudo. Porque eles já fizeram isso aqui. Eles
entraram em barraco aqui e reviraram o barraco todo. Eles não respeitam nada e
a gente não tem apoio nas leis, principalmente pobre. O único caminho para o
pobre hoje é unir as forças e lutar junto”. Unidade na luta, receita do homem
simples, resiliente como o sertão.
Para os que pouco ou nada sabem sobre o Movimento Sem Terra,
cabe uma reflexão: O MST tem seu surgimento entre os anos de 1979 e 1984. São
35 anos de caminhada. Como estratégia, o movimento foi construindo visibilidade
social e materializando sua estrutura organizativa, ampliando a dimensão de um
movimento camponês de luta pela terra, em torno do debate da reforma agrária e
de outras políticas públicas, para um movimento aglutinador que constrói pontes
entre sujeitos e coletivos no plano internacional, ampliando no campo
brasileiro sua atuação como movimento de luta por justiça social.
Acompanhando uma reunião com as mais de 200 famílias que
ocupam a Fazenda Arapuim, como ficou conhecida a propriedade, fica evidente
essa amplitude do Movimento. Manhã de domingo (29), às vésperas das festas de
fim de ano, homens, mulheres, jovens, crianças e idosos se juntaram para
reiterar o compromisso de luta, de lutas, melhor dizendo. Famílias que gritam
por direitos. Primeiro o direito a ter direitos. Direito à dignidade. Direito
ao acesso à água como bem imprescindível à sobrevivência humana. Direito ao
trabalho, à saúde, à terra, a produzir comida de qualidade, sem veneno,
respeitando homem e natureza.
Foto: Laura Murta
A bandeira do MST é muito maior que a de luta pela reforma
agrária. O Movimento hoje unifica muitas lutas da sociedade brasileira. Uma
bandeira que recebe o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que têm desde a
sua formação, em 1975, o compromisso de apoiar trabalhadores e trabalhadoras
rurais e toda a diversidade camponesa em processos de fortalecimento de sua
identidade e na proteção e combate à violação de direitos dessa população.
2019 chega ao fim com um forte acirramento no campo. A
Polícia Militar, agindo de forma arbitrária tem sitiado acampamentos, ameaçado
famílias de assentados e acampados. Ações truculentas que polarizam as
discussões historicamente acaloradas. O que esperar para 2020? Poder executivo
e judiciário, alinhados no sentido de dar celeridade no julgamento de processos
que tramitam há anos. Essa é a situação da Fazenda Arapuim, em Pedras de Maria
da Cruz, no Norte de Minas. Manobras fiscais e jurídicas que legitimam
históricos processos de grilagem e responsabilizam as famílias pela derrocada
da propriedade, mergulhada em dívidas que ultrapassam R$16 milhões, entre elas
dívidas trabalhistas e de empréstimos contraídos. A vasta propriedade já estava
abandonada antes mesmo da chegada das famílias. Para além desse histórico, o
Juiz da Vara Agrária tem pressa em julgar o processo, desconsiderando a
necessidade de apreciação de dois recursos que tramitam no Tribunal de Justiça
do Estado. E, se não bastasse, lança mão da prerrogativa de uma liminar que
prevê o despejo das famílias, expedida há 4 anos. Uma audiência está agendada
para 12 de fevereiro.
Enquanto isso, a Polícia Militar ronda a propriedade. Aborda
com desrespeito as famílias, ameaça, revira barracos, sem ordem, sem mandado,
agindo na ilegalidade.
“A gente vive numa insegurança permanente. A gente corre o
risco de perder tudo se a polícia chegar e mandar a gente sair. Além disso, o
dia-a-dia é pesado. Vivemos sem acesso à água, energia e saúde”, explica
Neiguimar Dias da Silva, 43 anos, que já viveu dias de tensão num outro
acampamento, o Norte América, em Capitão Enéas, recentemente alvo de uma ação
violenta e desmedida de despejo por parte da Polícia Militar.
Para quem nunca esteve num assentamento, num acampamento, é
necessário que se saiba: matéria humana habita esses espaços. Sonhos,
expectativas, vontade de transformação, sujeitos de direitos merecedores assim
como eu e você de comemorar o amanhã, o novo ano que teima em chegar!
*Jornalista voluntária do MSTzenda Arapuim no norte de Minas
Gerais
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